quarta-feira, fevereiro 23, 2005

ORIGEM DO FIM

Descobri hoje que já não gosto de ti.
Não foi uma mudança repentina mas, por algum motivo, uma tomada de consciência espontânea como se todos os pensamentos e sentimentos tivessem sido drenados do meu corpo para
sobrar só este.
A verdade é que estou farto de ti.
Quantas vezes me olhei no espelho para te procurar?
Quantas vezes me faltaste nos momentos em que me
restavas só tu?
E, no entanto, lutava contra a minha própria mente tentando desesperadamente manter-te como parte do meu ser.
Não sei se foi perda de tempo acender a chama vezes e vezes sem conta, lutar para manter a tua imagem digna e intacta aos olhos de todos os outros transeuntes da vida!

De facto, o meu desejo secreto era que também eles te admirassem e venerassem como eu, que te prestassem homenagem
nem que fosse com um simples sorriso ou
um aceno súbdito e condescendente.
E, durante alguns escassos instantes, davas-me a alegria
da conquista do topo do mundo e a liberdade de ser assim,
grande no meu pouco tamanho.
Mas essa ilusão só servia para acentuar a minha comum
mortalidade nesta vida insensata.
Era nesses regressos que te sentia mais fraco e incapaz de um papel principal num texto que eu pensava ser escrito por mim.
Apesar de tudo, apesar de hoje ter acordado para um outro estado de consciência, sei que vais voltar, impávido, sereno e doce,

trágico e tumultuoso, como uma personagem de uma peça de teatro que se confunde com o palco. Mas não importa, não tem a
mínima importância porque hoje consegui, por momentos,
livrar-me do livre arbítrio de acreditar ou não em ti
e isso faz-me sentir de algum modo saudável.
Depois desta divagação começo a sentir-me outra vez entrar
numa espiral de sentimentos, certezas e dúvidas e só me apetece bater o pé e repetir:
Não gosto de ti! Não gosto de ti! Não gosto de ti!
Pronto.
E agora?...
Agora olha, és só um reflexo num espelho que, na escuridão,
não existe.

Um pedaço de eu que não faz sentido num EU tão vazio.
Então, sigo para onde?, faço o quê?, conto a quem?,
conto com quem?
Se já não te quero na minha vida e se a minha vida é assim cheia e plena de insignificâncias, para quê existir? Para quê olhar no espelho vazio da minha própria imagem?
Queria ficar reduzido aos sentidos da intuição e da audição para poder intuir vozes estranhas, ouvir mensagens reveladoras e assim saber o caminho a tomar.
E, mais uma vez, caminharia para onde?
Talvez a direcção seja o fundo do túnel... ou do poço... um terminal qualquer de emoções, conhecimentos e drogas alucinogéneas.

Talvez me permitisse divagar numa onda crepuscular e boreal
numa paz infinita e cheia de amor, que existisse sem propósito final.
E no final??...
Sei que contra a minha razão céptica, contra tudo o que é lógico, matemático e frio, mergulharia no calor imenso de um lirismo emocional e que o objecto do meu olhar doce
serias tu!

Ricardo Quintas / Patrícia Antunes

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não gosto de ti! Não gosto de ti! Não gosto de ti!... Eu tentei, mas ñ deu certo, agora olha!;o)

7:28 da tarde, fevereiro 25, 2005  

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