quarta-feira, fevereiro 23, 2005


PARA ONDE VAI O SOL? Ricardo Quintas

SAUDADE DO MAR Ricardo Quintas

EXPLODE (pastel s/ tela) Patricia Antunes

ADRIANA (óleo s/ tela) Ricardo Quintas

FLÔR (aguarela s/ esferovite) Patricia Antunes

TUCHA (pastel s/ tela) Ricardo Quintas

QUERO-TE

Quero-te!
Quero-te muito!
Quero-te porque te amo
E amar-te é querer assim
Com medo de querer demais
Mas já não quero só querer-te
Quero ter-te. Ter o que és
Porque és tudo o que quero.

Ricardo Quintas

SEXO

Ou Amor?... Tanto faz.
Procuramos os dois na mesma pessoa
Ávidos de preenchimento e prazer.
Depois, um dia, encontramos e deitamos fora.
E depois outra vez. E outra.
E então o Sexo passa a ser independente.
O Sexo basta por si só. Como um bem material
em detrimento do espiritual.
É o progresso. A emancipação do Sexo.
Já nem tem que ser escondido.
E, apesar de ser sempre igual, é sempre tão diferente:
Às vezes enche
Às vezes deixa um vazio silencioso e amargo.
De resto,

Como o Amor.

Ricardo Quintas

GÔDO (pastel s/ papel)

VOZ

A voz vem do âmago de nós
A voz não vem só de cordas vocais ou de
um diafragma mais ou menos domesticado
A minha voz não é mais do que uma ponte
entre o espírito e o corpo
A tua voz é muito mais do que aquilo que
te vem à cabeça...
A voz é a dialética e a dinâmica dos povos,
é uma linguagem mística e, no entanto,
exclusivamente humana, uma faculdade que
nos aprisiona e ao mesmo tempo nos
liberta!
Pela voz pecamos,
pela voz nos martirizamos,
pela voz nos santificamos,
pela voz nos libertamos!...

Patrícia Antunes

LUTA MUDA

Hoje esta cadeira é a minha companhia.
Sento-me na sua inércia que se confunde com a minha
e sinto-me aprisionado dentro de mim.
Sou o meu próprio animal domesticado.
O milagre da vida fica mais pesado e quer tornar-se um fardo.
Mas eu luto
De luto
Sentado
Enquanto a visão da cegueira me tortura e consome
Eu procuro um ou outro pensamento para pôr
Em palavras que eu próprio ouça.
Mas este remédio está doente
E com a cegueira vem a surdez.
E então fico aqui sentado
Cego, surdo e mudo como os macacos que sabem.
Só que não sei.
E já nem quero saber.

Ricardo Quintas

MENINA DA LUA (carvão s/ papel) - Patricia Antunes

ORIGEM DO FIM

Descobri hoje que já não gosto de ti.
Não foi uma mudança repentina mas, por algum motivo, uma tomada de consciência espontânea como se todos os pensamentos e sentimentos tivessem sido drenados do meu corpo para
sobrar só este.
A verdade é que estou farto de ti.
Quantas vezes me olhei no espelho para te procurar?
Quantas vezes me faltaste nos momentos em que me
restavas só tu?
E, no entanto, lutava contra a minha própria mente tentando desesperadamente manter-te como parte do meu ser.
Não sei se foi perda de tempo acender a chama vezes e vezes sem conta, lutar para manter a tua imagem digna e intacta aos olhos de todos os outros transeuntes da vida!

De facto, o meu desejo secreto era que também eles te admirassem e venerassem como eu, que te prestassem homenagem
nem que fosse com um simples sorriso ou
um aceno súbdito e condescendente.
E, durante alguns escassos instantes, davas-me a alegria
da conquista do topo do mundo e a liberdade de ser assim,
grande no meu pouco tamanho.
Mas essa ilusão só servia para acentuar a minha comum
mortalidade nesta vida insensata.
Era nesses regressos que te sentia mais fraco e incapaz de um papel principal num texto que eu pensava ser escrito por mim.
Apesar de tudo, apesar de hoje ter acordado para um outro estado de consciência, sei que vais voltar, impávido, sereno e doce,

trágico e tumultuoso, como uma personagem de uma peça de teatro que se confunde com o palco. Mas não importa, não tem a
mínima importância porque hoje consegui, por momentos,
livrar-me do livre arbítrio de acreditar ou não em ti
e isso faz-me sentir de algum modo saudável.
Depois desta divagação começo a sentir-me outra vez entrar
numa espiral de sentimentos, certezas e dúvidas e só me apetece bater o pé e repetir:
Não gosto de ti! Não gosto de ti! Não gosto de ti!
Pronto.
E agora?...
Agora olha, és só um reflexo num espelho que, na escuridão,
não existe.

Um pedaço de eu que não faz sentido num EU tão vazio.
Então, sigo para onde?, faço o quê?, conto a quem?,
conto com quem?
Se já não te quero na minha vida e se a minha vida é assim cheia e plena de insignificâncias, para quê existir? Para quê olhar no espelho vazio da minha própria imagem?
Queria ficar reduzido aos sentidos da intuição e da audição para poder intuir vozes estranhas, ouvir mensagens reveladoras e assim saber o caminho a tomar.
E, mais uma vez, caminharia para onde?
Talvez a direcção seja o fundo do túnel... ou do poço... um terminal qualquer de emoções, conhecimentos e drogas alucinogéneas.

Talvez me permitisse divagar numa onda crepuscular e boreal
numa paz infinita e cheia de amor, que existisse sem propósito final.
E no final??...
Sei que contra a minha razão céptica, contra tudo o que é lógico, matemático e frio, mergulharia no calor imenso de um lirismo emocional e que o objecto do meu olhar doce
serias tu!

Ricardo Quintas / Patrícia Antunes

CADÁVER ESQUISITO II

Quando a tua luz toca a minha
Pele frágil e morna que me conforta não é
Fácil de entender mas tão difícil
De fazer, mas sim de dizer qualquer coisa
Útil mas dispensável enquanto somos
Só quando te tocam o coração te apercebes que
Respiras e para todos os efeitos estás
Vivo! Mas viver é perigoso quando
Não sabes em que direcção seguir e no entanto
Vais. Talvez haja um ímpeto secreto e inato
Que encontramos nesta praia, longe da
Euforia, uma raiva suave, uma fonte onde buscas a
Resposta às questões que tenho medo de colocar.

Patrícia Antunes / Ricardo Quintas